Entenda o leitor este texto
como um guia breve para estudantes de ética interessados no problema da
ecologia e conservação da natureza. Começo por recomendar a leitura de dois
livros, ambos editados por Robin Gill: The
Cambridge Companion to Christian Ethics (Cambridge University Press, 2007)
e A Textbook of Christian Ethics (T
Clark, 2006).
Do The Cambridge Companion to Christian Ethics, recomendo a leitura
atenta do capítulo 17: Ecology and Christian Ethics, escrito por Michael
Northcott.
Do A Textbook of Christian Ethics, recomendo a leitura da secção 4,
com textos de Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino e Lutero e várias análises
sobre questões ecológicas contemporâneas vistas à luz da perspetiva cristã.
A leitura dos textos de
Agostinho, Aquino e Lutero mostra-nos que a relação equilibrada entre os
humanos e a natureza foi uma preocupação constante na tradição cristã e não é,
de forma alguma, uma invenção do Iluminismo, como peretende a esquerda. O ponto de partida da análise do
problema tem de reconhecer a situação em que os humanos do século XXI colocaram
a Terra, esse espaço que Deus criou e entregou aos humanos e que os humanos têm
maltratado. Assistimos a rápidas extinções de espécies: 10.000 espécies
extintas por ano, segundo cálculos de cientistas. Desflorestação maciça por
efeito da urbanização rápida e da intensificação da agro-indústria. Mudanças
climáticas de contornos ainda desconhecidos. Poluição
industrial com ênfase particular na China e na Índia onde o crescimento
económico galopante não está a ser acompanhado de medidas de protecção
ambiental. Erosão do solo e desertificação em largas áreas de África, América
do Sul e China.
Na tradição cristã, não existe oposição entre o bem comum e o
carácter físico do Universo. O bem comum e o Universo estão directamente
ligados ao Criador e, por isso, são necessariamente bons.
Na tradição bíblica, a vinda,
a crucificação e a ressurreição de Cristo tiveram um propósito bem definido:
anunciar a salvação. Deus enviou o seu Filho para nos salvar. A necessidade de
salvação resulta do pecado. A forma como os humanos maltratam a Terra e os
restantes seres vivos é consequência do pecado. Esse propósito de salvação é
válido não só para os humanos, mas também para todos os outros seres. Deus
enviou o seu Filho, porque os homens não souberem cuidar de si próprios nem
daquilo que Deus lhes ofereceu. O Antigo Testamento está repleto de alusões a
esse facto.
As referências a pragas, secas
e outros cataclismos naturais são constantes e os textos acentuam o desagrado
de Deus face àquilo que os homens têm feito. Os humanos deixaram de se portar
como usuários da Terra. Em vez disso, portaram-se como donos descuidados. O
resultado está à vista e manifesta-se através dos enormes problemas ecológicos
que afectam a Terra e a vida dos humanos e dos outros seres vivos.
Não há
limites para a avidez humana. São comuns as passagens da Bíblia onde se faz
referência à associação entre a injustiça na distribuição das riquezas e a
degradação ecológica (1). “Ai daqueles que juntam casa a casa e acrescentam
campo a campo, até não haver mais terreno e serem os únicos a habitar no meio
do país. Javé dos exércitos jurou ao meu ouvido: as suas muitas casas serão
arrasadas, os seus palácios luxuosos ficarão desabitados” (Isaías. 5:8-9).
Essa relação permite
considerar que a tradição cristã deu forma e significado ao conceito de
ecojustiça. Até ao Iluminismo, a tradição cultural preponderante no Ocidente sustentava a crença de que era
Deus e não os humanos o locus principal de consciência e de propósito moral no
cosmos, sendo a criação, em primeiro lugar e sobretudo, uma possessão de Deus e
não da Humanidade (2).
Encarada desta forma, a relação dos humanos com a Terra
muda de figura. Deus emprestou a Terra aos humanos e espera que eles façam bom
uso dela, respeitando todos os outros seres criados, igualmente criados por Deus.
A ideia antropocêntrica, tão
cara ao ideal iluminista, é estranha e contrária à tradição cristã. Se
regressarmos à visão teocêntrica, não mais se justifica o abuso dos recursos
naturais pelos humanos, seja com o fim de colocar esses bens ao serviço do
progresso científico, tecnológico e social, seja com o objectivo de usufruto
desmedido e insensato pelos que se apoderaram dessas riquezas.
Há, portanto,
limites para o uso dos bens naturais e esses limites radicam no respeito por
todos os seres criados por Deus. Sendo Deus o criador de tudo o que existe, aos
humanos apenas é dado o usufruto. A fruição dos bens criados por Deus deve
fazer-se no respeito pelas leis divinas e pela lei natural, aquela plasmada nos
textos bíblicos, esta desenvolvida e explicada pelos Doutores da Igreja, em
particular Tomás de Aquino, a partir de uma simbiose criativa entre a filosofia
de Aristóteles e a tradição cristã. Há várias parábolas de Jesus e vários
textos de S. Paulo que afirmam que as riquezas terrenas não são posse dos
humanos mas sim de Deus.
Na Primeira Carta aos
Coríntios (3), S. Paulo afirma que não somos donos dos nossos corpos nem dos
mistérios da fé, pois tudo isso pertence a Deus. O que Jesus trouxe de
radicalmente novo foi a ideia da descoberta da categoria do amor, amor a Deus,
amor aos nossos vizinhos e a todas as criaturas da Terra. Olhar para a relação
dos humanos com a natureza em termos de amor por todas as criaturas tem grandes
implicações. A forma como a agro-indústria cria e transporta os animais que se
destinam a alimentar grande parte da população viola
grosseiramente os ensinamentos éticos de Jesus. O abate indiscriminado e maciço
de árvores nas florestas tropicais fere igualmente esses ensinamentos.
O próprio modo de vida
preponderante nas sociedades tecnologicamente avançadas, assente no aumento continuado do
poder aquisitivo, no consumismo desenfreado e na crença cega nos benefícios do
progresso, da ciência e da tecnologia, contraria igualmente a tradição cristã.
A tradição cristã oferece uma resposta aos problemas ecológicos. Uma resposta
que não assenta apenas na crença na ciência e na tecnologia, mas sobretudo no
regresso aos ensinamentos éticos de Jesus: ama o teu próximo como a ti mesmo.
Ama a Deus, aos vizinhos e a todos os seres criados por Deus. Com estes
ensinamentos, a avidez, a ostentação e o vício são encarados como pecados a
evitar. Sem esses pecados, os humanos ficam preparados para levarem uma vida
centrada naquilo que é realmente importante e não na aparência do que é
importante. Só essa mudança de atitude e de vida pode quebrar o ciclo de abusos
sobre a Natureza.
Notas
1) Nomeadamente em Isaías. 24:1-6 e Isaías.5:8-10
2) Northcott, M. (2007). Christian Ethics and Ecology. In Gill,
R. (Org.). The Cambridge Companion to Christian Ethics. Cambridge: Cambridge
University Press
3) Carta aos Coríntios (1 Cor.6:19).
Outra Bibliografia
Northcott, M. (1996). The Environment and Christian Ethics.
Cambridge: Cambridge University Press
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