segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Ética cristã e guerra justa: a perspetiva que os esquerdopatas afastaram da escola

A guerra foi, sem dúvida, o problema ético mais importante do século XX. No século passado, morreram mais pessoas por efeito direto das guerras do que nos vinte séculos anteriores. O século XXI continua a enfrentar o mesmo problema ético com guerras sangrentas no Afeganistão, no Iraque, no Líbano e na Síria. A par das mudanças climáticas, da poluição e da pobreza, a guerra é um problema ético que gera controvérsia e disparidade de argumentos.

Os esquerdopatas impregnam o currículo de pacifismo acrítico em todas as situações, sobretudo quando o país atacado pertence ao universo do capitalismo liberal ou integra o chamado Mundo Ocidental.  Abrem, contudo, exceções: a guerra que os islâmicos radicais fazem ao Ocidente é uma guerra justa porque é, na perspetiva dos esquerdopatas, uma resposta à agressão imperalista, identificada pelos esquerdeopatas como a aliança dos EUA, alguns países da União Europeia e Israel.

Robin Gill (1) agrupa as respostas ao problema ético da guerra em quatro tipos: militarismo em todas as situações, militarismo seletivo, pacifismo seletivo e pacifismo em todas as situações.

No primeiro caso, defende‐se o recurso à guerra em qualquer lado, a qualquer hora e por qualquer causa.

No segundo, defende‐se o recurso à guerra defensiva quando um país é atacado por outro.

No terceiro, recorre‐se à guerra apenas quando se está convencido de que é uma guerra justa.

Por último, recusa‐se o recurso à guerra seja qual for a situação.

A ética cristã repudia a primeira resposta. As respostas b e c são aceitáveis apenas quando estamos perante guerras justas.

Para uma guerra ser considerada justa é preciso que respeite os seguintes critérios: 1) ser declarada por uma autoridade legítima; 2) ser defensiva, ou seja, constituir uma resposta a uma ameaça exterior; 3) usar meios proporcionais, ou seja, constituir uma resposta à ameaça exterior usando meios proporcionais aos meios usados pelo atacante; 4) haver evidência de que a guerra pode evitar males maiores.

Quando um destes critérios falha, a guerra não pode ser considerada justa.

É possível registar duas fases distintas na posição da Igreja Cristã face à guerra: a posição antes de Constantino e a posição depois de Constantino. Antes da conversão do Imperador Constantino ao Cristianismo, predominava a defesa do pacifismo em todas as situações. A defesa do pacifismo em todas as situações está, hoje em dia, limitada a pequenas congregações religiosas: Anabaptistas, Quakers, Amish e Testemunhas de Jeová.

No período pré‐Constantino, é possível destacar a posição inteiramente anti‐guerra de Tertuliano (160‐220). Orígenes (185‐254), embora contrário à guerra, admitia a participação dos cristãos em guerras conduzidas a favor de uma boa causa.

Foi preciso esperar por Agostinho de Hipona para que a ética cristã incorporasse o conceito de guerra justa. O bispo Ambrósio e o bispo Agostinho faziam a distinção entre uma guerra justa e uma guerra injusta, considerando que os cristãos não podiam isentar‐se de participar em guerras justas. Agostinho interpretava a condenação do uso da espada (Mateus.26.52‐3) como uma condenação do uso da espada sem a autorização de uma autoridade legítima (2).

A respeito da guerra é possível encontrar argumentos diferentes no Antigo e no Novo Testamento. A Bíblia Hebraica é mais favorável à guerra e está repleta de episódios que descrevem a guerra como uma solução sem que vislumbre nesses textos uma condenação clara do seu uso ou uma distinção entre guerras justas e injustas. A Novo Testamento é declaradamente anti‐guerra, embora Jesus e os Apóstolos nunca tenham feito a condenação do serviço militar.

A mudança da posição da Igreja Cristã face à guerra tem de ser compreendida à luz da conversão de Constantino. A partir de Constantino, o Cristianismo passa a ser a religião oficial do Império e a Igreja Cristã sai das margens da sociedade para assumir uma posição cada vez mais associada ao Estado, acabando por se fundir com ele, no século XIII, com o surgimento do conceito de Estado Cristão de natureza claramente teocrática. Foi nesse século que Tomás de Aquino viria a lançar as bases racionais de uma teoria da guerra justa que é, até hoje, a posição oficial da Igreja Católica, sucessivamente consagrada por várias Encíclicas.

No século XX, assistimos a uma mudança na natureza da guerra, tornando‐se ainda mais difícil aplicar os critérios da guerra justa. A utilização de armas nucleares e químicas, o terrorismo à escala global e os atentados suicidas contra pessoas inocentes são realidades novas que baralham e confundem os dados, tornando extremamente difícil colocar em prática a teoria da guerra justa. Ultimamente, são cada vez mais os eticistas cristãos que fazem a distinção entre causas justas para entrar numa guerra (ius ad bellum) e práticas justas de guerra (ius in bello). A fim de aprofundar esta temática, é essencial a leitura de alguns textos de Agostinho de Hipona e de Tomás de Aquino: do primeiro teólogo cristão, sugiro Resposta a Fausto, o Maniqueu XXII, 69‐76; do segundo, aconselho a Suma de Teologia, 2ª 2ae, 40.1‐2.

Notas

1) Gill, R. (2006) (Ed.). A Textbook of Christian Ethics. Londres: T and T Clark 2) Idem, p.196

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