sábado, 11 de fevereiro de 2017

Para uma crítica da pedagogia marxista


A pedagogia marxista partilha com a teoria marxista a concepção dialéctica e materialista da história e o entendimento de que a educação e a cultura são superestruturas derivadas da infraestrutura económica e social. Para além disso, partilha com a teoria marxista a defesa do "valor supremo e antropogenético do trabalho, a teoria da praxis como modelo da actuação humana, a explicação dualista e conflitual das classes sociais na sociedade burguesa (aparecidas pelo facto da posição de domínio e exploração de uma delas sobre a outra), a afirmação do triunfo final da supressão das alienações humanas (religião, culto do pensamento abstracto, existência da família, vigência do papel político do Estado, divisão social do trabalho, dependência do operário com respeito a um salário, renúncia do operário em ser dono do produto do seu trabalho), propriedade colectiva dos meios de produção, a revolução violenta como meio de avançar nesse processo até ao comunismo universal, e a ditadura do proletariado para dirigir essa revolução" (1).

Uma vez que a pedagogia marxista é profundamente dogmática, não tem conhecido grandes evoluções desde que Karl Marx criou os seus fundamentos filosóficos, na segunda metade do século XIX. 

Quintana Cabanas (2) resume, assim, os seus princípios: "atribuição da força educativa aos factores ambientais e metodológicos; educação no seio do grupo e por meio do grupo (o colectivo infantil e juvenil); prioridade da formação prática do aluno sobre a sua formação teórica; sistema educativo baseado na escola do trabalho, segundo a ideia de que o trabalho é não só meio mas também finalidade da educação; incorporação do trabalho produtivo no currículo escolar; formação polivalente do indivíduo, capacitando-o para diversas actividades profissionais; ideal humanista complementar dessa formação profissional, com especial relevância para a educação física e a educação estética dos alunos; a educação moral é objecto de atenção particular, entendendo-se por ela a ética marxista (que considera como dever principal dos indivíduos a luta pela defesa e expansão do comunismo); inculcação sistemática e obrigatória, aos educandos, da ideologia marxista; tendência para a formação do homem novo, quer dizer, do homem comunista para uma sociedade comunista; a educação será, pois, não só dogmática, mas também autoritária; a educação compete ao Estado; a família só pode educar por delegação do Estado e sob o controle deste; sistema de escola única e igual para todos, sujeita a critérios sociais de selectividade; sistema de coeducação absoluta, no sentido de dar o mesmo tipo de educação aos dois sexos e conjuntamente; a educação não tem uma finalidade individualista (educar o indivíduo para si mesmo), mas social".

Marx e Engels escreveram muito pouco sobre educação, embora seja deles a concepção de que a educação e a cultura fazem parte da superestrutura derivada da infraestrutura económica e social. Quer isto dizer que a escola está sempre ao serviço do regime económico e social vigente e dos detentores dos meios de produção. Legitima esse domínio e ajuda a perpetuá-lo. Lenin e, sobretudo, Makarenko, traçaram as linhas gerais de uma pedagogia marxista aplicada a uma sociedade a caminho do socialismo e dirigida pelo partido comunista.

A pedagogia marxista sofreu um enorme revés com a queda do muro de Berlim e o colapso da União Soviética, registados na Segunda metade da década de 80. Ficaram, ainda, alguns países dirigidos por partidos comunistas, como a China, a Coreia do Norte, Vietnam e Cuba, mas, na China e no Vietnam, os partidos comunistas têm vindo a criar uma nova economia capitalista, cujas consequências estão, ainda por apurar. Seja como for, esses países continuam, ainda, a impor a pedagogia marxista nas escolas do Estado. Para um estudo mais aprofundado da pedagogia marxista nos tempos da União Soviética, aconselhamos a leitura do livro de Suchodolski, "Teoria Marxista da Educação" (México, Grijalbo, 1965).

A pedagogia marxista, tal como foi imposta na União Soviética durante sete décadas, assumiu duas dimensões: "uma dimensão de ideologia marxista, correspondente à cosmovisão comunista e ao programa pedagógico dos princípios antes mencionados e que resulta totalmente arbitrária e inoportuna a quem não tiver uma mentalidade marxista e uma dimensão de Pedagogia realista, respondendo a uma concepção tradicional da educação, feita de experiência prática e de bom senso, que encerra muitos dos valores da chamada Pedagogia perene e que é a causa de alguns bons resultados da educação comunista. Assim, por exemplo, enquanto nos países liberais está em crise o princípio da autoridade na educação, até ao ponto de muitos professores se verem impotentes para fazer trabalhar os alunos nas nossas escolas e enquanto baixamos o nível dos estudos com métodos globalistas que não exigem o hábito do esforço e da memória, ou pretendemos respeitar muito as opções dos alunos, deixando-os abandonados aos seus caprichos e falta de experiência, nos países comunistas exige-se ao aluno respeito e cortesia para com as pessoas mais crescidas, atenção e obediência ao professor, rendimento na aprendizagem, sentido de responsabilidade social, disciplina na sala de aula e uma série de virtudes tradicionais que são a base de um trabalho escolar sério" (3).

Quintana Cabanas (4) descreve deste modo as características mais importantes da pedagogia marxista soviética: "a superestrutura da sociedade influencia activamente o desenvolvimento histórico. Pode impedir ou impulsionar o progresso social. A educação é um elemento essencial da superestrutura da sociedade...; a educação é um fenómeno social consistente em que uns homens actual sobre outros para os formarem segundo um fim proposto...; a chave da pedagogia soviética está na união do ensino com o trabalho produtivo, a ginástica e a formação politécnica...;um princípio de política educacional é a implementação de uma escola politécnica do trabalho; os princípios da educação soviética são os seguintes. Educação igual, gratuita e obrigatória para todos, em instituições estatais...; na idade pré-escolar, podem certas formas de trabalho desempenhar um papel importante na formação da criança, sendo o meio mais importante para se inserir na sociedade e para motivar a sua personalidade...; a didáctica obedece aos seguintes critérios: há que dar um ensino científico e sistematizado, que seja inteligível para o aluno, o qual há que relacionar os novos conhecimentos com os anteriores...; a educação comunista exige que se faça participar directamente os alunos na luta política, propondo-lhes tarefas correspondentes e cuidando para que tenham experiências que os façam confrontar com as contradições da luta de classes e lhes suscitem decisões de tipo político e moral. Os alunos devem participar em acções das associações juvenis e de pioneiros, devem ter ocasião de realizar trabalhos socialmente úteis e de ampliar os seus interesses e inclinações para actividades extra-escolares...; os alunos estão organizados em agrupamentos chamados colectivos, no seio dos quais vivem, estudam e trabalham. Ficam, por isso, marcados pela sua pertença a um colectivo, o qual oferece um forte influxo educativo...; os pressupostos básicos de uma boa educação familiar são uma atmosfera familiar normal, a autoridade paterna, um correcto horário familiar e o hábito da leitura e do trabalho; a educação burguesa encerra factos e conceitos que caracterizam o imperialismo como inimigo da humanidade. Os alunos devem poder descobrir e desmascarar esse inimigo em todo o lado...; o professor censura as faltas cometidas pelo aluno em forma de notas negativas no trabalho de grupo...; a formação das crianças na disciplina - e a educação em geral - aumenta quando o colectivo de alunos se encarrega dessa função".

Embora a pedagogia marxista soviética tivesse sido o modelo seguido em Cuba, há algumas particularidades específicas do pequeno país das Caraíbas: o homem é um ser social que só se desenvolve integralmente dentro do colectivo; a educação deve contribuir para a criação de um homem novo, profundamente envolvido na revolução socialista; a educação moral e política deve exprimir os pontos de vista do materialismo dialéctico e histórico; o trabalho produtivo assume uma dimensão formativa importante na criação de uma mentalidade proletária; o papel da família na educação das crianças deve convergir num sistema único de educação socialista, composto pela escola, as organizações juvenis e o partido comunista; a finalidade da educação é fazer dos jovens internacionalistas, anti-imperialistas e patriotas; o trabalho intelectual deve estar intimamente ligado ao trabalho produtivo.

Notas
1) Quintana, J. M. (1995). Teoria de la Educación: Concepción Antinómica de la Educación. Madrid: Dykinson, p. 165
2) Idem, p. 166
3) Ibid., p. 169
4) Ibid., p

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