quarta-feira, 1 de março de 2017

Aristóteles e a educação

Cabe ao Estado e ao legislador cuidarem para que se formem cidadãos honestos, justos, prudentes e temperados, “procurando saber por quais exercícios tornará honestos os cidadãos e sobretudo conhecer bem qual é o ponto capital da vida feliz” (1). 

O legislador deve tomar em consideração que a vida se divide entre o trabalho e o repouso, a guerra e a paz e as nossas acções se dividem em acções necessárias, acções úteis ou acções honestas. As acções honestas são superiores às úteis e estas às necessárias e é no respeito por essa hierarquia que a educação deve ser regulada e concretizada. 

Educar para a guerra pode ser uma necessidade, mas não deve ser encarada pelos legisladores como a tarefa fundamental da Educação; ao invés, a educação pública deve centrar-se na universalidade das virtudes e essas são, como sabemos, a justiça, a coragem, a temperança e a prudência. O legislador deve subordinar a guerra e todas as outras leis ao repouso e à paz, pois isso é o que prova a experiência, juntamente com a razão. 

Mais importante do que ensinar as artes da guerra é ensinar como viver bem em paz, num processo a que Aristóteles chama de ensino das virtudes pacíficas (2). Aristóteles, ao longo de toda a sua obra, enfatiza a importância do ócio, do repouso, sem os quais seria impossível a vida contemplativa e o exercício das virtudes intelectuais. 

Está, portanto, muito longe, das concepções hodiernas, tão caras ao pensamento dominante das sociedades actuais materialmente desenvolvidas, que reclamam uma visão meramente utilitária da Educação, sujeitando-a aos interesses do mercado, da economia e da produtividade. 

A Educação não deve, na perspectiva do filósofo, ser um instrumento ao serviço da economia, mas sim um processo que visa potenciar o florescimento de cada um em ordem à concretização da eudaimonia, ou seja, da vida boa e da excelência. 

Neste particular, Aristóteles foi um precursor e a leitura da sua obra ética e política continua a iluminar o nosso pensamento e pode ajudar-nos a dar um rumo correto à Educação, colocando-a no sítio certo e conduzindo-a em função das finalidades certas e não das modas do momento ou dos interesses meramente materialistas, instrumentais, propagandistas ou ideológicos das elites dominantes. 

Para Aristóteles, a Educação não deve apenas ensinar o que é útil, as coisas práticas, mas também os costumes, a arte de viver bem, e acima de tudo as virtudes e o uso da razão. A importância de todos estes objectivos é de tal monta que nenhum deles deve ficar fora do âmbito da Educação. 

O debate actual entre os que defendem uma educação centrada na cognição e no raciocínio, vulgarmente designada de construtivista ou cognitivo-desenvolvimentista (o aluno é que constrói o conhecimento) e os que optam por uma educação centrada na prática, na resolução de problemas concretos e reais (a ideia de uma educação ligada à vida) foi antecipada por Aristóteles, o qual soube, melhor do que ninguém, encontrar solução para essa antinomia: três coisas devem contribuir para o florescimento humano, a natureza, o hábito e a razão. 

Devemos começar pelo hábito ou pela razão? Qual deve ter mais importância? O filósofo responde que devemos dar a mesma importância ao hábito e à razão e que os dois devem vir para a par. Cabe, por isso, à Educação não só fortalecer a razão, mas também proporcionar a oportunidade para a aquisição de bons hábitos e a correcção dos maus hábitos. Não é fácil o processo de aquisição de bons hábitos, mas é ainda mais difícil corrigir os maus hábitos; por isso, o melhor que os educadores devem fazer é certificarem-se de que as crianças não têm oportunidades para a criação dos maus hábitos. Daí que o cuidado com o ambiente onde as crianças vivem e são educadas, bem como com as companhias, constitui um assunto de extrema importância a que se deve dedicar toda a atenção. 

Aristóteles considerava que o poder da imitação, da observação e do exemplo eram extremamente fortes no processo educativo das crianças, pelo que aconselhava aos pais o maior cuidado na gestão dos ambientes e das companhias. Podemos inferir, a partir daqui, que Aristóteles, se vivesse hoje, consideraria extremamente nociva a influência da televisão. 

Aristóteles dedica um espaço importante de A Política ao tema da educação, preocupando-se com a discussão de vários assuntos: fim pacífico da Educação, a regulamentação dos casamentos e dos nascimentos, a educação da infância, o carácter e o objecto da educação, o papel da música e os limites da ginástica. 

Aristóteles não é, de forma alguma, um liberal, pelo menos se nós dermos ao termo o significado que Adam Smith lhe deu, no século XVIII; ao invés, acentua a importância do papel do Estado na Educação, considerando que o processo educativo é assunto demasiado complexo e importante para ser deixado apenas ao cuidado das famílias. 

Tendo estudado quase todas as Constituições do seu tempo e pesquisado, em profundidade, os costumes e a história de outros povos do Mundo Antigo, Aristóteles sabia o suficiente para afirmar que a felicidade do Estado e dos cidadãos depende, em grande parte, do tipo de Educação proporcionada aos cidadãos. Sabia, também, da enorme diversidade de modelos educativos existente no seu tempo, fazendo abundantes referência à Educação em Esparta que, em vez de promover a felicidade e as virtudes da justiça, temperança e prudência, enfatizava a preparação e o manejo das artes da guerra, invertendo, dessa forma, a correcta ordem de prioridades. 

Para Aristóteles, a finalidade maior subordina os objectivos menores, o menos bom está sempre subordinado ao melhor por sua destinação, assim como o bem menor deve estar dependente do bem maior; daí que a guerra, embora necessária em certas ocasiões, deve tender para a paz, a qual é um estado superior, tal como o trabalho deve estar subordinado ao repouso.

Aristóteles deixa-nos conselhos práticos sobre a educação de infância, chamando a atenção para as diferentes fases e adequação do processo educativo e do currículo a essas fases. Até aos cinco anos, a criança não deve ser submetida a qualquer processo de aprendizagem formal, pois a sua exposição à educação formal pode prejudicar o seu crescimento. 

Aristóteles critica, desta forma, a opção pela antecipação da idade de entrada na escola, bem como os processos de aprendizagem precoce. A partir daqui, podemos fazer uma crítica ao modo como as sociedades actuais estão a organizar a chamada educação pré-escolar, escolarizando a educação de infância e criando currículos de tipo cognitivista para as crianças com menos de cinco anos. 

Até aos cinco anos, as crianças só devem brincar, ouvir fábulas e movimentarem-se em liberdade, fazendo exercícios corporais de forma não estruturada. Só depois dos sete anos é que a criança deve ir à escola, submetendo-se, então, a aprendizagens formais. 

O currículo proposto por Aristóteles inclui Música, Ginástica, Geometria e Literatura e decorre até à puberdade. Segue-se um outro período que vai até aos vinte e um anos, em que o jovem aprende filosofia, ética, artes da governação, retórica e as mais variadas ciências. Aristóteles não foi um adepto da privatização da Educação. Como vimos atrás, considerava a Educação um assunto demasiado sério para ser entregue às famílias e aos privados. 

A ideia de fazer negócio com a Educação seria vista por Aristóteles como uma opção errada. Para o filósofo, a educação tinha um carácter público, devendo ser assunto do Estado, embora aceitasse que o Estado desse abertura para a criação de academias de carácter privado para educar os jovens dos 14 aos 21 anos. Quer a Academia de Platão, quer o Liceu de Aristóteles, incluíam-se neste caso. Oiçamos Aristóteles: “como não há senão um fim comum a todo o Estado, só deve haver uma mesma educação para todos os súbditos. Ela deve ser feita não em particular, como hoje, quando cada um cuida dos seus filhos, que educa segundo a sua fantasia e conforme lhe agrada; ela deve ser feita em público” (3).

Notas

1) Aristóteles (2002), A Política, S. Paulo, Martins Fontes, 65

 2) Idem, 68

3) Ibidem, 78

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